Ficção -> Conto
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Garrotes


O sol de já ia baixo quando a sombra da mangueira alcançou o redondel. Do lado de fora os homens, as moças e a molecada se empoleiravam pra ver a montaria. Era um tropel só, a turma rindo e apostando quem ficava mais tempo no lombo dos novilhos. Todo mundo animado menos o Clovinho, que o Seu Clóvis trouxe pra passar o final de semana.

            O Clovinho era guri da cidade. Enquanto os moleques tinham roupa velha e botina, o Clovinho usava abrigo e tênis e não se misturava. Eles também não ligavam pra ele. Caçoavam dele pelas costas, isso sim. Ele vinha ali na marra, dava pra ver. Não sei por que o Seu Clóvis insistia em trazer ele pra essas coisas.

            As montarias tinham começado e os garrotes estavam com o diabo, derrubando até os mais guapos debaixo de vaias. E, com a barulheira, o gado ia ficando mais nervoso e mais caborteiro. Então o Clovinho falou com o pai, que embraveceu com ele na frente do povo todo. Depois os dois ficaram quietos e o Seu Clóvis voltou a acompanhar o rodeio. O menino não, ficou olhando pro chão.

            Aí, de repente, o Clovinho deu a volta no cercado e foi até o Zé Joaquim. O Zé fez uma cara esquisita pro Seu Clóvis. O Seu Clóvis olhou pro filho, mas não disse nada. O menino apontou pro Caramelo. Ninguém acreditava, mas ele ia mesmo montar.

            Só que o Caramelo era uma escolha ruim. Era um tucura encardido na cor e no gênio. Atraíram o bicho pra porteira meio aberta e seguraram no pescoço e nas ancas. O Clovinho, nisso, já se ajeitava pra montar, mas com os olhos bem arregalados. Eu achei que ele estava tremendo. O Seu Clóvis também parecia agoniado. A molecada gritava sem parar. O Zé ajudou ele a subir no novilho. E aí largaram.

            O animal pinoteou feito o Cão. Bufou, escumou, coiceou, obrou e esfregou a perna do Clovinho nas tábuas quando veio arrastando de fasto. Depois, num golpe seco, tombou o menino, que vinha se segurando feito homem. Acho que deu quase uns trinta segundos. Ele saiu com a cara toda suja e a calça marrom, verde e vermelha.

            A gurizada acabou aplaudindo. O Seu Clóvis foi todo contente acudir, mas o rapaz saiu mancando, sem dar bola. Ele foi pra casa com a cabeça baixa, mas não era mais medo que tinha nos olhos dele. Era outra coisa.



23/04/2024 17:59




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