Ficção -> Romance
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ilustração


O Jogo do Desafio

Imagens tiradas de Freepik.

Clara e Lola brincavam de pique-esconde em um belo jardim da casa de Clara. Enquanto Clara contava até 100, Lola buscava o melhor esconderijo para que pudesse facilitar sua possível vitória. 

 

Lola entrou em um local sereno e suave, de frente para a garagem e ao lado do jardim florido. Era uma área livre, ou seja, não era específica para armazenar objetos ou móveis. Nesse momento, foi surpreendida com um grande portal dourado que apareceu repentinamente. Um cachorro simpático se apresentou, chamado Sr. Cortês, ao mesmo tempo que Clara apareceu esbaforida, perguntando o motivo da demora de Lola. Ambas se entreolharam e foram convencidas pelo cachorro a verem o que tinha depois do portal. Elas pareciam hipnotizadas, pois aquela entrada era tão bela! Lola havia se esquecido de que não conseguira um bom lugar para se esconder, mas isso não importava mais. Talvez, elas não teriam outra oportunidade tão fantástica, ainda mais com um cachorro falante! Foi espantoso para ambas. Clara foi a primeira a transpassar o portal, depois que deu uma piscadela para a amiga, para incentivá-la a adentrar também. 

 

No corredor do portal, havia duas portas. O cachorro carismático disse que Clara deveria passar a  primeira porta azul e Lola a segunda porta cinza. Curiosas, concordaram com aquele animal de estimação afável e comunicativo. Clara abriu sua porta eleita e.. Céus! Ela chegou em um lugar ao ar livre rodeado de diversos tipos de flores, como orquídeas, rosas, lírios, girassóis e tulipas, um lago recheado de ganache de chocolate, parque, além de plantas e de bichinhos fofos de estimação, como cães e gatos. Lola viu a felicidade de sua amiga ao longe, pois estava de frente para sua porta designada. Suas expectativas eram boas. 

 

Contudo, para sua surpresa, foi enviada a um lugar ameaçador ao ar livre, com animais selvagens, lago comum, flores e plantas que não ajudavam a deixar a região menos sem graça. Não tinha uma boa decoração e parecia um lugar sem brilho. Havia uma área que parecia ser dedicada a jogos de competição. Ali também não foram encontrados cachorros nem gatos. Lola, por sua vez, tentava não demonstrar pavor, pois queria encontrar um jeito de sair dali. Então, decidiu dizer um simples ‘Olá'. 

 

Um tigre intrometido se apresentou, dizendo: 

 

- Olá, Lola, sou o Sr. Poeta. Você não está no lugar errado. Está aqui porque não tem uma bela casa como a de Clara.  Além disso, as crianças que param aqui são culpadas por não terem um bom brinquedo também, como você. Deveria se esforçar mais para ter uma casa com jardim. Até eu gostaria de ter uma moradia como a dos humanos.

 

Nesse momento, o tigre Poeta foi repreendido pelo leão vice-líder do local, o Sr. Cara Fechada: 

 

-Sr. Poeta, diga o necessário! Lola, me chamo Sr. Cara Fechada e sou o segundo chefe daqui, já o Sr. Destino é o primeiro. Além disso, aqui se chama o Local da Segunda Chance. Eu vou…

 

Lola interrompeu o Sr. Cara Fechada para tirar dúvidas: 

 

-Mas..mas.. Quem é esse Sr. Destino? E vocês… tigres, leões, onças e cobras… irão me deixar sair daqui? 

 

O vice-líder retomou a conversa: 

 

-É justamente sobre tais questões que quero falar agora. O Sr. Destino é o nosso chefe, mas apenas podemos ouvir sua voz. Nunca o vimos. Não o conhecemos. Mas ele é o que nos guia. Lola, sua amiga Clara agradou o nosso líder porque ela tem uma vida próspera, ao contrário da sua, por isso está no Local dos Favorecidos. O nosso líder não gosta de pessoas que não sejam parecidas com as pessoas que servem como um modelo a seguir. Como castigo, irá passar pelo Jogo do Desafio, onde você provará para o Sr. Destino que se esforçou o suficiente, tendo o direito de escapar deste lugar. 

 

-E a minha amiga? O que irão fazer com ela? 

 

-Sua amiga também poderá passar pelo Jogo do Desafio, porque o Sr. Destino é justo, não deixaria você jogar sozinha. A diferença é que ela está em um lugar mais aconchegante. E você terá de mostrar que merece vencer. Entendeu?

 

-Isso não faz sentido para mim. Está me dizendo que poderemos escapar vivinhas da silva? 

 

-Isso mesmo. Compreendeu bem. - Disse o Sr. Cara Fechada ao confirmar com um leve movimento de cabeça. 

 

-Mas… O que pode acontecer se não jogarmos? 

 

-Se você não jogar ou perder, poderá ser transformada em um desses animais que estão aqui. E não há volta. O resultado da transformação é para sempre. Já no caso de Clara, se ela perder, também vai virar um animal de estimação, e se ela não quiser jogar, nada vai acontecer. Então, ela corre o risco de deixar de ser ser humano, assim como você. 

 

-Meu Deus! Como isso é possível??? - Exclamou Lola ao levar as duas mãos à boca, profundamente aterrorizada. 

 

Uma onça tristonha manifestou-se ao dizer: 

 

-Eu era uma criança como você, mas fui transformada em onça pelo Sr. Destino, porque não quis jogar. Ah, meu nome é Madalena. Cheguei aqui com 9 anos. Sabe, faz um tempo que estou aqui, talvez uns 20 anos. Lola, isso é bem real. 

 

-A onça diz a verdade.  Sou leão, mas antes eu era um menino de apenas 10 anos. Vou completar 13 este ano. No meu caso, eu deixei de ser uma criança porque perdi o jogo. - Confirmou um outro leão que acompanhava toda a conversa. 

 

-Eu estou aqui há 55 anos. Cheguei com 12. - Disse o Sr. Cara Fechada com tristeza.

 

-Cheguei aqui com 10 e estou aqui há 50 anos. - O Sr. Poeta lamentou em seguida. 

 

-Misericórdia! Eu e Clara temos 10 anos! Chocada! - Disse Lola completamente atônita.

 

A partir disso, houve uma tremenda comoção geral, já que 50 animais no total, outrora, não conseguiram concluir o Jogo do Desafio enquanto eram seres humanos no Local da Segunda Chance. Por outro lado, outros 50 animais, quando eram seres humanos, se recusaram a jogar o Jogo. 

 

-Por que eu sofreria as consequências por não jogar o Jogo? 

 

-Você e Clara não estão no mesmo patamar de boas condições de vida. Mas, para voltar para casa, vocês precisam partir do mesmo ponto, por isso, ambas devem participar do Jogo. São regras da casa, mesmo que não façam sentido para você. 

 

-Sr. Cara Fechada, você disse que Clara não sofreria nenhuma consequência por não querer jogar, não é?  

 

-Isso mesmo, mas a real é que ela vai querer jogar. O Sr. Destino possui um poder de convencer as pessoas.

 

Um cochicho se instaurou no momento, feito pela onça Madalena ao Sr. Poeta: 

 

-Como o Sr. Cara Fechada é rabugento!

 

-Não é, menina? - Sr.Poeta perguntou em tom de confirmação.

 

-Eu escutei, Madalena.- Disse o Sr. Cara Fechada ao pegá-la no flagra. 

 

-Confirmo o que escutou. A pobre menina acabou de chegar. A sua forma de falar a assusta!

 

-Ela precisa entender o que a espera. - Respondeu o vice-líder  pausadamente, enfatizando palavra por palavra. 

 

Nesse instante, Lola se virou para o Sr. Cara Fechada e perguntou: 

 

-Pode me explicar como é esse Jogo? 

 

-Claro. Você terá de montar aquele quebra-cabeça ali em 3 minutos. 

 

-Como assim, senhor?! 3 minutos não são nada! Eu precisaria de mais tempo. Eu vou perder! 

 

-Enquanto você reclama, Clara está ganhando presentes no Local dos Favorecidos, mas ela também precisa passar por esse Jogo. Você vai ter seu mérito, caso vença. 

 

-E se.. perdermos...va..vamos virar bichos?

 

-Se você ou a Clara perder o Jogo, bem.. Se Clara perder, ela poderá virar um cachorro ou um gato. E se você perder, vai virar algum animal selvagem que está aqui.

 

-Meu Deus!!! Então é por isso que ele se chama Sr. Destino…Decide o destino de outras pessoas! 

 

-Você entendeu certo. O meu nome é Cara Fechada porque.. Bem, eu não gosto de sorrir. 

 

-Mas eu não queria saber o significado do seu nome.- Retrucou Lola. 

 

Nesse momento, alguns risinhos puderam ser escutados. O Sr. Cara Fechada os ignorou, e se voltou para Lola: 

 

-Você precisa jogar. Vamos! 

 

-Tudo bem. Vou me preparar. Não tenho opção mesmo! 

 

-Na- na- ni- na- não. Você não tem tempo para se preparar. São regras do chefe, se é que me entende.- Disse o Sr. Poeta. 

 

-Mas a Clara ganhou a oportunidade de se preparar. Está até ganhando presentes! Isso vai ajudá-la a estar mais calma quando for jogar. 

 

-Menina, você não tem tempo a perder. Lembre-se: Você pode percorrer o mesmo caminho de Clara no jogo. Sua oportunidade de jogar o Jogo do Desafio e voltar para a casa é a mesma. Eu entendo que para você deve ser difícil estar rodeado de rabugentos, enquanto que… 

 

-Cale a boca, Sr. Poeta, e deixe a menina jogar! Sinto muito, Lola, por ter de escutar o blá blá blá dele. Ninguém aguenta mais. - Disse o Sr. Cara Fechada ao bufar impacientemente. 

 

-Você fala de mim, mas também não cala a matraca!- Respondeu o Sr. Poeta à altura.

 

-Claro! Eu sou o vice-líder do Sr. Destino!  

 

A onça Madalena disse em tom de desabafo para Lola: 

 

-Eles vivem brigando. Siga em frente, querida. Jogue. 

 

-Torça por mim. Eu preciso voltar para casa. 

 

-Estou com medo por você… Mas te desejo boa sorte, Lola!

 

O quebra-cabeça misterioso estava posicionado em cima de uma mesa simples de madeira. 

 

-Vou começar.- Disse Lola, ao olhar atentamente para as peças do quebra-cabeça. Ela não queria ser transformada em um animal de jeito nenhum. Se dedicaria ao máximo para ser declarada vencedora. 

 

 O Sr. Cara Fechada concedeu permissão para o início do jogo, com o cronômetro em suas mãos. 

 

Todos os animais se encontravam receosos, ao passo que Lola se armou  de estratégias variadas para encaixar as peças velozmente, visto que não deveria desperdiçar nenhum segundo. Restavam 100 segundos. Surpreendentemente, até aquele momento, Lola havia montado a metade do quebra-cabeça. Esse jogo guardava alguma mensagem que ainda não era possível decifrar. 

 

A onça Madalena comentou com o Sr. Poeta: 

 

-Estou impressionada com o jeito de jogar dessa menina. A montagem do quebra-cabeça do Sr. Destino não é nada fácil. Acredito que ela vá vencer. 

 

-Creio que sim, mas é bem bolado esse jogo.

 

Tudo corria bem, porém, algo inesperado aconteceu. Quando faltavam 30 segundos para o encerramento, Lola começou a sentir cãibras nas pernas, o que a impediu de terminar a resolução do quebra-cabeça. Um silêncio paralisador pairou sobre todos, ao mesmo tempo que o Sr. Cara Fechada foi tentar ajudá-la a se recuperar. Lola desatou a chorar desesperadamente e todas as testemunhas ali presentes se sentiram perdidas. Madalena desmaiou. O Sr. Poeta balbuciava frases desconexas, devido ao seu nervosismo. Ele sabia que não tinha o poder de controlar a situação. 

 

Após Lola conseguir se recuperar das cãibras, a porta de entrada se abriu. Clara entrou, apontando o dedo indicador para Lola. 

 

-É ela, Sr. Destino! Por favor, liberte minha amiga! Passei no Jogo do Desafio graças ao apoio que recebi naquele Local dos Favorecidos. Toquei violão e cantei sua música favorita. O senhor gostou muito de mim. Poderia ser bom comigo? Se eu não levar minha amiga, serei a menina mais infeliz do mundo. O senhor quer isso? 

 

-Não, querida, mas ela perdeu. Não há o que fazer.- Respondeu o Sr. Destino, com um timbre de voz triste. 

 

Todos entenderam que o líder estava ali, mesmo que não pudesse ser visto. 

 

O Sr. Destino continuou: 

 

-Fiquei feliz quando Clara me disse que eu lembro seu pai, quando eu demonstro meu lado afetivo. O lado que Lola não conheceu. 

 

-Nem a gente.- Cochichou o Sr. Poeta ao Sr. Cara Fechada.

 

-Ouvi o que disse. - Falou o Sr. Destino, o qual provocou um frio na espinha do Sr. Poeta, ao passo que continuou - Deve ser bom ter uma filha. Deve ser bom ser um ser humano.

 

-O Sr. Destino só me contou tudo o que aconteceu com você, Lola, depois de minha vitória no quebra-cabeça. Foi terrível saber que você perdeu! - Disse Clara apavorada. 

 

-Eu senti cãibras, bem no finalzinho do Jogo.- Respondeu Lola aos prantos. 

 

-Sinto muito, amiga. A frase que li no quebra-cabeça montado foi: "Meritocracia: A fórmula do sucesso".  Acredito que seria a mesma frase escrita no seu Jogo. 

 

-Sim, isso mesmo - Respondeu o Sr. Destino.

 

-Sr. Destino, não faça nada com Lola. Eu imploro!

 

-Clara, eu preciso cumprir minhas regras. Transformarei Lola em onça, por sua coragem, Clarinha, ao defendê-la. 

 

De repente, a onça Madalena indignada proferiu: 

 

-Isso é injusto, Sr. Destino! 

 

Os animais ao redor fixaram o olhar em Madalena. Como ela ousou enfrentar o líder?

 

-Essa pobre menina só quer voltar para casa.- Continuou Madalena. 

 

-Eu… eu concordo. - Disse o Sr. Poeta com medo. 

 

-Eu sei que temos regras, mas… Seria triste vê-la transformada em animal.- Respondeu Sr. Cara Fechada. Os animais em volta ficaram espantados com ele, porque não era comum o vice demonstrar sentimentos. Era sempre carrancudo.

 

O Sr. Destino permaneceu em silêncio por uns segundos, até que perguntou:

 

-Vocês apoiam que Lola tenha uma segunda chance? 

 

Todos ficaram chocados com o pedido de opinião do chefe.  Clara se prontificou a dizer que estava de acordo, Madalena não escondeu sua felicidade ao escutar a proposta, Sr. Cara Fechada já poderia se chamar Sr. Cara Aberta por ter estampado um sorriso afável em seu rosto, Sr. Poeta já pensava em sua própria poesia  a ser criada sobre a situação momentânea e o restante dos animais concordou em conferir uma segunda chance, de maneira homogênea. 

 

Lola encheu-se de alegria ao ver que Clara e seus novos amigos se posicionaram, prontos para ajudá-la.

 

O Sr. Destino deu prosseguimento: 

 

-Ali na mesa de madeira se encontra um cubo mágico. Lola, resolva aquele cubo. Se você conseguir em 1 minuto e meio, poderá voltar para casa com sua amiga. 

 

Todos ficaram boquiabertos. O Sr. Poeta questionou: 

 

-Mas a segunda chance não seria liberá-la logo? 

 

-Achei que seria assim. - Disse o Sr. Cara Fechada decepcionado.

 

-Por que ela precisa resolver esse cubo?!- Perguntou a onça Madalena, bem furiosa. 

 

-Eu quero voltar para casa com Lola, Sr. Destino! - Clara exclamou. 

 

-Me desculpe, chefe, mas o cubo é mais difícil que o quebra- cabeça, sendo que Clara jogou apenas 1 jogo, enquanto que Lola terá de solucionar o cubo mágico. - Disse o Sr. Cara Fechada. 

 

-1 minuto e meio, líder?!!- Perguntou Lola, triste e confusa. 

 

-Eu pensei que o senhor tivesse consideração por mim. - Respondeu Clara bastante magoada. 

 

Diante de tantas questões, o Sr. Destino respondeu: 

 

-Primeiramente, quero dizer que Lola deu sorte em continuar sendo um ser humano. Como é uma segunda chance, eu não posso facilitar as coisas para Lola. É uma segunda chance que ninguém teve até hoje, nada mais justo do que complicar um pouco mais o Jogo. O cubo mágico é difícil. Ter apenas 1 minuto e meio para resolver é complicado também. Não é à toa que se chama o Jogo do Desafio. É a primeira vez que concedo, na verdade, uma terceira chance a alguém, já que esse lugar se chama O Local da Segunda Chance, e a segunda chance que envolveu o quebra-cabeça você não conseguiu terminar. Lola, se prepare. Ou você joga o jogo, ou você será transformada em um animal selvagem. 

 

-Eu vou jogar, mesmo que eu esteja sozinha. - Respondeu Lola em tom de lamentação. 

 

10,9,8,7,6,5,4,3,2,1… O tempo do jogo terminou. As mãos de Lola tremiam. Duas lágrimas retilíneas percorreram seu rosto. 

O Sr. Cara Fechada pegou o cubo das mãos de Lola. Surpreso, ele anunciou: 

 

-Quero declarar a vitória de Lola! Salve! Salve! Conseguiu resolver o jogo dentro do tempo determinado! 

 

Naquele momento, o Local da Segunda Chance vibrava como um estádio de futebol. Alívio, esperança, emoção e superação. Era o triunfo mais esperado. 

O Sr. Destino perguntou com curiosidade, enquanto alguns animais abraçavam Lola:

 

-Como conseguiu resolver o cubo tão rapidamente?

 

-Quase ninguém sabe, mas eu curto mexer com cubo mágico. Meus pais me ensinaram. A prática me ajudou a melhorar minhas estratégias para a solução do jogo, mas eu devo gratidão, principalmente, aos meus responsáveis. Sem eles, eu não teria ganho, na verdade, essa terceira chance.  E também não imaginava que eu conseguiria terminar o Jogo dentro do tempo. Certinho! 

 

Com os olhos lacrimejados, Clara disse: 

 

-Verdade, amiga. Se não fosse pela boa vida que minha mãe tem, eu não teria ido para o Local dos Favorecidos. Sei que me esforcei para o Jogo do Desafio, mas…

 

-Não conseguimos nada sozinhos.- Lola completou - E se eu não soubesse jogar o cubo, de nada adiantaria meu empenho. E… Claro! Se não fosse pela ajuda de todos vocês aqui, eu seria uma onça agora. Muito obrigada! Agradeço também ao Sr. Destino.

 

-Muito obrigada, pessoal! - Disse Clara ao tentar fazer o símbolo do coração com os dedos.

 

Nessa hora, todos trocaram fortes abraços entre si, com direito a choradeiras e soluços, o que possibilitou que o Sr. Destino, mesmo invisível, os observasse. 

 

- Antes de ir, eu gostaria de saber… Por que estão aqui? Sr. Destino, por que os mantém aqui? Por que os animais selvagens me receberam tão bem?- Perguntou Lola. 

 

- Alguns estão aqui porque foram transformados em animais e outros porque fazem parte deste planeta, composto pelo Local dos Favorecidos e pelo Local da Segunda Chance, sabe, como se fossem dois países, e eu sou basicamente o presidente dos dois.  Se eles forem para o seu planeta, viverão menos, porque é mais fácil a adaptação dos animais aqui do que no Planeta Terra. Aqui há mais recursos para a sobrevivência do que em outro lugar. Uma vez, um leão rebelde resolveu migrar para o Planeta Terra através do portal, mas precisou lutar pela sobrevivência na selva, ao se alimentar de outros seres vivos. Eu não o aceitei de volta. O Local da Segunda Chance não é um luxo, como pode ver, mas aqui tem comida. Melhor do que morar na selva. E os animais daqui sabem que são assustadores para os seres humanos. Já os animais de estimação do Local dos Favorecidos possuem tudo do bom e do melhor, não passam por dificuldades e não precisam esperar para serem adotados ou, infelizmente, abandonados. Então, eles se sentem mais seguros por lá. E em relação aos animais te tratarem bem aqui, bem… Eles foram transformados, mas não  quer dizer que abandonaram suas personalidades sociais e empáticas. E eu, bem...represento a sociedade humana!

 

-Por que alguns animais ficam no Local dos Favorecidos ou no Local da Segunda Chance? - Questionou Lola. 

 

-Porque os animais selvagens desse  Local da Segunda Chance simbolizam um lugar difícil para os que chegam, já os animais de estimação simbolizam um lugar de paz e propício ao Jogo do Desafio para os que chegam lá,  no Local dos Favorecidos. 

 

-E o que quis dizer sobre representar a sociedade humana? Não ficou claro para mim. Quem é o Sr. Destino, afinal? 

 

-Bem, eu não irei me prolongar na explicação... Simples, represento tanto o lado bom quanto o lado mau do ser humano. 

 

-Então é ser humano?

 

- Não, Lola. Eu sou quem você não conhece e não imagina ser. Sou a Consciência, represento a ação do ser humano.

 

- O Sr. é bastante misterioso! Enfim, as condições para o Jogo do Desafio não foram as mesmas para nós, pelo jeito! - Disse Clara.

 

Lola ficou calada nesse momento, reflexiva e receosa. O líder, por sua vez, retrucou:

 

-Entenda como quiser. Eu, Sr. Destino, dei oportunidade para ambas.

Clara deu um longo suspiro e foi envolvida por um semblante sério, reflexivo e misericordioso. Então, decidiu perguntar:

 

-Sr. Destino, por que não solta todos eles? Por que não transforma meus novos amigos em seres humanos novamente?

 

-Clara, entenda uma coisa. Eu abri uma exceção para Lola porque gostei muito de você. Nenhuma outra pessoa tocou meu coração tão profundamente como você. Eles não voltarão a serem seres humanos, porque ou perderam ou se recusaram a jogar o Jogo do Desafio. Para cada ação, há consequência. Você despertou meu lado sensível, mas o que eu fiz foi exceção. Você me deu algo em troca...Fazia tempos que eu não lembrava da preciosidade disso! O afeto, o carinho, o amor.... Mas continuo o Sr. Destino, com regras e atitudes!

 

-E as crianças que conseguem sair daqui? Contam para alguém? Alguém vai encontrar aqui?

 

-Hahaha, Clara. Agora precisei rir. Contar para quem? Quem irá achar esse lugar? Estamos em outra dimensão!

 

-Então o Sr. tem todo esse poder? Controla tudo e todos aqui? Mas ao mesmo tempo parece ter um local no coração reservado para a bondade, e...

 

- Eu represento a sociedade humana! Eu sou o bem e o mau. Clara, não adianta, eu não liberarei ninguém além de vocês duas. 

 

Clara e Lola sentiam um misto de fascínio e medo do Sr. Destino. Ele ironizou o fato de que ninguém acharia esse lugar. Isso as assustou! Simultaneamente, os animais ali presentes assistiam essa cena de maneira triste, alguns choravam e outros encaravam fixamente para algum lugar, devido aos pensamentos distantes. Um clima de absoluto silêncio.

 

Madalena disse: 

 

-Vou sentir saudade de vocês...meninas.

 

-Eu também gostei de conhecer vocês.- Confirmou o Sr. Poeta, engolindo o choro. 

 

-Eu consegui sorrir com vocês. - Disse o Sr. Cara Fechada, com os olhos marejados. 

 

As garotas se despediram de todos, inclusive do Sr. Destino. Abriram a porta. Assim que saíram, deram de cara com o cachorro recepcionista, o Sr. Cortês, da primeira vez. Ele as conduziu de volta ao portal. Em um piscar de olhos, ambas acordaram no gramado do jardim da casa de Clara. As duas se levantaram, atônitas por terem conseguido voltar ao Planeta Terra. Nesse momento, a mãe de Lola bateu no portão, pois tinha chegado para buscar a filha. Por outro lado, a mãe de Clara preparava um bolo de chocolate  com côco delicioso na cozinha. 

 

Após alguns dias, as amigas foram à padaria próxima da casa de Clara. Ao longe, elas observaram dois amigos que encaravam um portal. Minha nossa! Ambas correram até eles, para que fossem impedidos de passar por tudo aquilo que elas vivenciaram. Não importava se fossem para o Local dos Favorecidos ou para o Local da Segunda Chance, eles não poderiam perpetuar o ciclo. Quando Lola estava perto de alcançá-los, o cachorro sorridente apareceu no portal. O coração de Lola batia disparadamente. Clara estava atrás de Lola. Aqueles meninos conseguiriam sair de lá? Voltariam ou não  para casa? Quem eles eram? Eis a questão. Tudo dependia do decreto do Sr. Destino. Eles teriam a ajuda de outros animais?  Conseguiriam vencer o Jogo do Desafio sozinhos? Um iria para o Local da Segunda Chance e o outro para o Local dos Favorecidos, como ocorreu com elas? O Sr. Poeta recitaria a mesma poesia para aquelas crianças, como fez para Clara e Lola? 

Antes da saída das meninas sobreviventes do Local da Segunda Chance, o Sr. Poeta recitou:

 

O Local da Segunda Chance é para os fortes, 

Que não são notados pelos mais esclarecidos, 

Enfrentam o mesmo jogo dos ditos favorecidos, 

E, no final de tudo, não recebem o mesmo suporte

Meu coração se torna pesaroso por causa de você, Lola 

A menina que não tem a mesma linda casa que Clara,

Nem os brinquedos mais modernos, 

Mas você recebeu nosso auxílio, 

E agora sua vida será colorida como uma arara.



10/06/2024 00:02




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