Ficção -> Conto
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O reencontro


      Tem certeza que não quer que a gente vá junto, filho, pergunta ela, voltada para o banco de trás. Mas você de novo com isso, ele já disse que prefere assim, devolve asperamente o homem ao desligar o carro, Estaremos aqui se precisar; vai, vai. O rapaz hesita com a porta entreaberta, através da qual uma ou outra gota molham seu braço e o couro do assento. Ele desvia do olhar do pai no retrovisor e, a pedido da mãe, coloca um crucifixo no bolso da jaqueta. Amamos você.

      Conferindo o céu carregado mais de ameaça que de chuva, o rapaz sai do carro e atravessa a rua sem saída. Para em frente a um portão com o número cinco descascado e uma placa ‘cuidado cão bravo’ logo abaixo. Não bate palmas, nem chama, nem nada, só observa a ferrugem do latão. Estuda também o muro cujas múltiplas rachaduras em todas as direções repartem territórios através do limo, desafiando a estabilidade do reboco. Constata que algumas dessas rachaduras, após exporem tijolos em carne viva, tornam inexplicavelmente a se unir naquele mapa grosseiro. Acorda do transe ao som de latidos distantes e do trinco se abrindo.

      Duas mãos lentamente puxam e erguem uma das folhas do portão que ainda assim se arrasta contra a calçada. Também o tempo, há pouco rachado, agora parecia se arrastar e atolar no lodo. Nessa inoperância momentânea dos relógios, o rapaz ainda consegue ver pratos e panelinhas cheias de terra e flores despinicadas, e uma bicicleta infantil encostada na parede. Pôde ver também as duas garotas através da porta da frente, a maior concentrada nas próprias unhas no sofá e a menor camuflando o sorriso atrás de um vaso de planta.

      Então a pequena mulher se materializa na frente dele, bagunçando a cadência das coisas outra vez.

      Meu Deus, como você é bonito, diz ela revelando os olhos de aguaceiro ao tirar os óculos, Obrigada, Senhor, obrigada. Oi, murmura ele com esforço. Posso te abraçar? E antes que ele respondesse qualquer coisa, a mulher já o cingia com força e afundava a cabeça no seu peito, soluçando. Aquela mulher tão estranha e tão familiar o apertava como se quisesse devolvê-lo ao mais íntimo do seu ventre e como se não houvesse nada no mundo que não pudesse ser reparado. Me perdoa, me perdoa, me perdoa, me perdoa.



16/01/2025 23:26




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