Ficção -> Crônica
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ilustração


Zumbido estoico


Desaforos. Raiva. Ansiedade. Violência. Dores. Doenças. Medo de morrer. Um enxame de coisas que nos envenenam e esmagam diariamente. Esses zumbidos, ouço-os todo o tempo. E isso tudo, às vezes – não deveria, eu sei –, me abate profundamente.

 Em dias assim meu espírito anseia por palavras sábias que tragam um pouco de paz. E é Marco Aurélio quem sempre me acode, ajudando a entender o que está ou não sob meu controle e a fugir para dentro de mim mesmo ante o tinir das armas. ‘Não são as coisas que o perturbam’, ensina ele, ‘mas o teu julgamento sobre elas’. Há que se treinar a alma com princípios corretos para que, chegada a hora, nos guiemos por eles.

 E essa tal hora, vá por mim, chega quando menos se espera. Homem e mosca pousando suas patas ao mesmo tempo sobre um puído, e por isso mesmo valioso, Meditações; mosca e homem disputando um pouco de... virtude? Por impulso cogito espantar a vil criatura do meu livro – sabe-se lá por onde andou. Mas algo (minha consciência, talvez) me para: que direito tenho eu de privar outro ser de conhecimento?

 Reflito sobre o que aconselhariam os mestres. ‘A sorte quer que tenhas mais liberdade para filosofar’, diria Zenão, que tomou como aprendizado a perda de todos os seus pertences num naufrágio. Já Sêneca me convenceria que, embora não se possa ter tudo, está em nosso poder usar bem o que temos. E Epicteto me chacoalharia - com moderação, é claro - sugerindo que eu esperasse de tudo apenas que tudo fosse como tivesse de ser. (COTEJUSA: coragem, temperança, justiça e sabedoria. Foi com esse mnemônico que gravei os pilares do estoicismo – pode usar, se quiser). 

 Imerso em dúvidas, volto-me ao Imperador, ‘Ei, Marcão, fala comigo, me mostra o que fazer’. Meditando profundamente consigo ouvi-lo: ‘Hoje terás de lidar com um curioso, um invejoso, um homem insociável, mas aceita e fica satisfeito com tudo que te aconteça’, e também ‘A morte paira sobre ti; enquanto puderes, sê bom’. Então rapidamente entendi o que fazer. Tipo, amor fati ao memento mori, manja? 

 Dou uma última olhada no livro – algo me diz que aquele homem precisava dele mais do que eu. Antes de sair pela janela a varejar por aí, esvoaço ao redor da lâmpada, mesmo sabendo que a verdadeira luz brilha internamente. Fique à vontade para fazer julgamentos, caro leitor: sou só um inseto na longa jornada do aperfeiçoamento moral.

M. aureliae



18/06/2025 23:26




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