Ficção -> Crônica
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Acerola Desconhecida

Ou "A Hierarquia das Acerolas"

Correu pelo corpo como um arrepio originado, talvez, na língua. Não tinha certeza. Teria vindo do olfato, ou do tato, fruto do contato com ela, fruta frágil e fresca quebrando como um balão de açúcar com gotinhas de limão, ou laranja, dentro de sua boca… A mente, envergonhada por não trazer à língua a imediata definição, fê-la ficar muda, e trabalhar na pesquisa mais profunda de notas, nuances e fragrâncias adicionais. Seria cheiro ou sabor? Cheiro e sabor seriam a mesma coisa? “Retoma a empreitada, não vá perder o foco!”. O que seria aquilo que provocou tal reação que estremeceu quase tudo por onde passou, como um terremoto interno; como um pulso eletromagnético. Calou o corpo para que apenas o paladar, o olfato e a mente pudessem trabalhar. Chegou, finalmente então, até a língua uma definição rudimentar, sem qualquer sofisticação: “Tem algo de goiaba, abacaxi e limão, mas ainda não é isso”. Não era. Alguém lhe trouxe uma palavra conhecida mas nunca experimentada, que lhe tocou a língua com ímpeto de decisão: “Essa frutinha é acerola, você não conhecia?”. E esse nome fez-se embrulho, afundou em seu ser como um pacote cheio de percepções, inferências e sugestões de sensação. Ao término de um minuto a acerola estava registrada e conhecida. Quando a seguinte foi sorvida, numa fração de segundo, usando apenas uma pequena porção da informação adquirida, a mente disse contente: “É acerola!”. E ao ingerir uma mais, a mente: “Acerola novamente! E você acha isso bom. É um sabor que te satisfaz”. Estava já decifrada, porém jamais sentiria novamente, com acerola, prazer tão intenso, capaz de provocar estremecimento, que é fruto da magia que há em experimentar algo pela primeira vez. Interagir com a acerola provocaria agora e sempre, uma reação lembrada, não integralmente sentida. Ah, bendita e maldita mente! Que nos faz crer mais real, vívido e intenso, especialmente aquilo que não nos é conhecido.



18/04/2024 17:15




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