Correu pelo corpo como um arrepio originado, talvez, na língua. Não tinha certeza. Teria vindo do olfato, ou do tato, fruto do contato com ela, fruta frágil e fresca quebrando como um balão de açúcar com gotinhas de limão, ou laranja, dentro de sua boca… A mente, envergonhada por não trazer à língua a imediata definição, fê-la ficar muda, e trabalhar na pesquisa mais profunda de notas, nuances e fragrâncias adicionais. Seria cheiro ou sabor? Cheiro e sabor seriam a mesma coisa? “Retoma a empreitada, não vá perder o foco!”. O que seria aquilo que provocou tal reação que estremeceu quase tudo por onde passou, como um terremoto interno; como um pulso eletromagnético. Calou o corpo para que apenas o paladar, o olfato e a mente pudessem trabalhar. Chegou, finalmente então, até a língua uma definição rudimentar, sem qualquer sofisticação: “Tem algo de goiaba, abacaxi e limão, mas ainda não é isso”. Não era. Alguém lhe trouxe uma palavra conhecida mas nunca experimentada, que lhe tocou a língua com ímpeto de decisão: “Essa frutinha é acerola, você não conhecia?”. E esse nome fez-se embrulho, afundou em seu ser como um pacote cheio de percepções, inferências e sugestões de sensação. Ao término de um minuto a acerola estava registrada e conhecida. Quando a seguinte foi sorvida, numa fração de segundo, usando apenas uma pequena porção da informação adquirida, a mente disse contente: “É acerola!”. E ao ingerir uma mais, a mente: “Acerola novamente! E você acha isso bom. É um sabor que te satisfaz”. Estava já decifrada, porém jamais sentiria novamente, com acerola, prazer tão intenso, capaz de provocar estremecimento, que é fruto da magia que há em experimentar algo pela primeira vez. Interagir com a acerola provocaria agora e sempre, uma reação lembrada, não integralmente sentida. Ah, bendita e maldita mente! Que nos faz crer mais real, vívido e intenso, especialmente aquilo que não nos é conhecido.