Amanheceu diferente. Chovia por toda parte, uma chuva imprevista. Amanda, que trabalhava no mercado varejista, por um momento reclamou em sua mente:
“Frustração obrigatória, mais um dia de lamento! Mais um dia lamacento… Vou por que sou obrigada, mas como obrigar o cliente?” e seguiu sua jornada engolindo a frustração. Guarda-chuva na mão, aguardando a condução. Não estava sozinha, ao menos.
“Que gente deprimente”, pensou. Alguém lhe empurrou… Tentou reagir, ofender… Sua voz recusou-se a sair.
“Algo está diferente”.
E então um empurra empurra descambou numa briga generalizada. Para não ser ferida, Amanda correu até a fachada de um condomínio próximo, e ainda ofegante, sem ter entendido nada, deu-se conta de que nenhuma palavra havia sido pronunciada.
“Que situação…”, desejou estar ainda na cama, estar ainda em paz…
“Não no meio dessa gente, desse bando de animais”.
Alguém, que do condomínio saía, lhe sorriu, e naquele sorriso ela ouviu a sua intenção… Foi como se o homem dissesse “fique bem, deixe de tanta aflição”... Lhe perpassou um calafrio. Se o homem não falou, o que foi então que ouviu? E a comunicação que então se sucedeu foi tão rápida e intensa que ambos ficaram sem ação, começou com ela dizendo a si mesma:
“O que será que ele quer?”, e ele, sem uma palavra pronunciar:
“Não quero nada, trate de se acalmar”
“Como está fazendo isso?”
“O que está acontecendo?”
“Você está falando ou estou enlouquecendo?”
“Não quero nada de ti, só quero que fique bem”
“Minha vida é infeliz, como posso ficar bem?”
E numa sequência de expressões de intenção impossível de verbalizar, entenderam-se de uma forma profunda, singular, calaram o pensamento e acalmaram-se após se abraçar…
Ambos com o batimento ainda acelerado. Assustados:
“Não há nada para entender… Eu vejo você e você me vê”.
E a ausência de palavras se estendeu por toda a parte. O mundo parecia mudo mas, como nunca, se comunicou. Tudo se entendia mesmo sem nada dizer. O estado colapsou no mesmo dia. E como seria diferente? A palavra se guia, se modela, já a intenção não, a intenção é… Não se controla. Ninguém podia mentir o que de fato sentia, e a sinceridade incondicional determinou o fim da hipocrisia, e assim, aproximou-se o fim, da mais recente das humanas civilizações…
Dizer o que viria a seguir excederia a mais otimista das imaginações.